O
homem que protagonizou o maior caso de cárcere privado do País em
outubro de 2008, o ex-entregador de comida árabe Lindemberg Alves
Fernandes, 25 anos, foi condenado ontem a 98 anos e dez meses de
reclusão pelo assassinato da ex-namorada Eloá Cristina Pimentel, e pelos
11 crimes cometidos durante os cinco dias de confinamento no
apartamento 24 da Rua 8, no Jardim Santo André.
Lindemberg terá ainda de pagar
1.320 dias de multa, conforme sentença da juíza Milena Dias. Após
quatro dias de julgamento no Fórum de Santo André, que totalizaram cerca
de 40 horas de trabalho, os sete jurados - seis homens e uma mulher -
condenaram o acusado.
Com o plenário lotado e todos em pé, a
sentença foi lida por volta das 19h30.
"As circunstâncias delineadas nos
autos demonstram que o réu agiu com frieza, premeditadamente, em razão
de orgulho e egoísmo, sob a premissa de que Eloá não poderia, por
vontade própria, terminar o relacionamento amoroso", apontou Milena
Dias.
E foi além: "Os crimes tiveram enorme
repercussão social e causaram grande comoção na população, estarrecida
pelos dias de horror e pânico que o réu propiciou às indefesas vítimas".
Lindemberg, vestido de camiseta branca,
ouviu a sentença de cabeça baixa - poucas vezes olhou para a juíza. Uma
das irmãs do assassino, presente desde o primeiro dia de julgamento,
saiu antes da leitura da sentença. Condenado, o ex-réu seguiu direto
para a Penitenciária do Tremembé, onde está há três anos e quatro meses.
Do lado dos familiares
de Eloá, o policial militar Ronickson Pimentel, irmão mais velho da
vítima, que acompanhava a decisão no plenário, abraçou a mãe Ana
Cristina, visivelmente emocionada. Depois, ela falaria rapidamente aos
jornalistas: "A justiça foi feita, graças a Deus".
Do lado de fora do Fórum, na Praça 4º Centenário, populares festejavam com gritos de "Justiça" e "Eloá, Eloá".
As penas totalizaram 98 anos e dez meses de
reclusão, porém, o Código Penal Brasileiro prevê, no máximo, 30 anos em
regime fechado.
Hoje, na prática,
Lindemberg cumprirá 30 anos em regime fechado. Mas a advogada de defesa
deve recorrer no Tribunal de Justiça de São Paulo para tentar diminuir a
pena, segundo o jurista Luiz Flávio Gomes.
"A acusação saiu satisfeita. A pena foi além
da nossa expectativa. Acreditava que ele não seria condenado pela
tentativa de homicídio do Atos (Antonio Valeriano, policial militar)", relatou Thiago Pinheiro, assistente de acusação e advogado do pai de Eloá, Everaldo Pereira dos Santos, preso em Alagoas.
Pinheiro creditou a condenação do réu a
todas as acusações ao trabalho da promotora Daniela Hashimoto. "Foi
muito boa e soube ser diferenciada. Temos que enaltecer a atuação da
doutora", disse o assistente da acusação, após a condenação.
‘Sabia que Deus não ia me decepcionar'
dia 16 de fevereiro de 2012 ficará marcado
para Ana Cristina Pimentel. Exatos três anos e quatro meses depois, Ana
Cristina Pimentel voltará a dormir em paz. Lindemberg Alves Fernandes
foi condenado a 98 anos e dez meses de prisão. E as lágrimas finalmente
deram espaço para o sorriso. "Sabia que Deus não ia me decepcionar."
"Foi feita a justiça. Ele pagou pelo que
fez", resumiu, emocionada. Ana Cristina e seus dois filhos, Ronickson e
Everton Douglas, já apresentavam semblante diferente ontem. Tanto que
ela vestia branco pela primeira vez. Após a fala da promotora Daniela
Hashimoto no debate, ela esboçou um sorriso. Um sinal de positivo
confirmou que estava confiante.
Por volta das 18h40, quando a notícia da
condenação nos 12 crimes em que o ex-genro era acusado vazou, ela foi à
janela ao lado de Douglas. Ovacionada aos gritos de "justiça",
distribuiu saudações ao enorme público em frente do Fórum. "Saio com o
coração tranquilo", disse, agradecendo todo o apoio que recebeu.
Mesma reação teve Andreia Rodrigues, mãe de
Nayara. Se ainda não consegue perdoar Lindemberg, a quem chamou de uma
"pessoa fria" pelo que viu nos quatro dias de júri, pelo menos ela
espera que finalmente a filha possa ter paz após a condenação. "Espero
que a Nayara agora consiga ter sua vida de volta."
Segundo ela, a menina, vendedora em uma loja
da região, espera que o assunto tenha se encerrado de vez. O advogado
da garota, José Nildo, diz que dificilmente ela voltará a falar do caso.
"Ela teve que se mudar de casa por conta do assédio que sofria. Ela
quer uma vida normal", disse.
De fato, Nayara cumpriu sua parte, ao
prestar depoimento na segunda-feira, e então não compareceu mais ao
fórum. Desde ontem ela aproveita folga no trabalho para curtir a praia
de Ipanema, no Rio de Janeiro, ao lado de amigas. Em seu perfil nas
redes sociais, a menina recebeu apoio das pessoas. "A justiça dos homens
foi feita, mas a de Deus ainda está por vir. Amiga, pode dormir
tranquila pelos próximos 98 anos", diz uma mensagem.
Se Lindemberg permanecerá um bom tempo atrás
das grades, o próximo passo dos familiares será cobrar respostas do
Estado sobre a ação da policia durante o cárcere no apartamento no
Jardim Santo André. "A gente esperou primeiro a condenação dele para
depois pensar no resto", disse Nildo. Tanto Ana Cristina quanto Andréia
devem mover processo contra o governo paulista. Mas o valor de
indenização que será pedido ainda não foi definido.
MP vai apurar conduta de advogada
A juíza Milena Dias, durante a leitura de
condenação de Lindemberg Alves, requisitou ontem que o MP (Ministério
Público) local apure declaração dada pela advogada de defesa, Ana Lúcia
Assad, no segundo dia de julgamento. Na ocasião, a defensora disse, de
forma irônica: "A senhora precisa voltar a estudar". O que foi
contestado pela promotora Daniela Hashimoto. "É desacato."
Para a magistrada, na prática, pode ter
ocorrido crime contra a honra. "Na presença de todas as partes e do
público, a defensora do réu, de forma jocosa, irônica e desrespeitosa,
aconselhou um membro do Poder Judiciário a ‘voltar a estudar'", traz
trecho da sentença.
Nesse sentido, a juíza determinou a extração
de cópia da decisão e remessa para o MP, a fim de eventuais
"providências cabíveis".
Ao fim da leitura da decisão, Ana Lúcia não
falou com a imprensa sobre o assunto. No entanto, nos autos, pediu pela
anulação do julgamento - ela tem cinco dias para fazer o pedido no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Advogados consultados pela
equipe do
Diário informaram
que "dificilmente" terá o pedido deferido.
A própria promotora de
acusação, Daniela Hashimoto, não acredita na anulação do júri - foram
quatros dias seguidos.
Ontem, durante o debate de defesa e
acusação, a advogada usou uma hora e meia para tentar minimizar os
crimes cometidos pelo seu cliente. O que mais tarde não se concretizou.
Ela disse que Lindemberg ainda era
apaixonado pela vítima e que não premeditou o crime. "Ele não é marginal
ou um criminoso. Os senhores (jurados)
são pessoas de bem, assim como ele. Peço que o enxerguem como irmão,
pai dos senhores, amigo. Ele não é bandido. Confessou que atirou em
Eloá. Lindemberg é apaixonado por Eloá. Foi o grande e único amor da
vida dele. Tanto é que ele não recebe visita íntima porque ele não quer
ter outra mulher", disse, sem convencer. Algumas pessoas da plateia não
concordaram, embora a manifestação em plenário seja proibida.
Para o assistente de acusação Thiago
Pinheiro, que defende o pai de Eloá preso em Alagoas, criticou o
trabalho realizado por Ana Lúcia durante os quatro dias. "A autodefesa
do Lindemberg foi mais importante que a defesa técnica. A postura da
advogada foi agressiva demais", opinou Pinheiro.
Promotora usa até revólver para poder condenar Lindemberg
A estrela do último dia do julgamento de
Lindemberg Alves Fernandes foi ela. Responsável pela condenação, a
promotora Daniela Hashimoto se destacou durante a manhã, em sua fala no
debate. Direta e segura, convenceu os jurados com seus métodos. Chegou a
exibir um revólver calibre 32, o mesmo usado para matar Eloá Pimentel,
para desmentir o depoimento dado pelo réu na quarta-feira. Sequer
precisou fazer uso da réplica. "Fiquei feliz por poder dar uma resposta
às famílias das vítimas dele."
Daniela está há apenas três meses em Santo
André. Assumiu o caso Eloá em novembro e, desde então, sabia que nunca
teria tantos holofotes em cima de seu trabalho. Por isso, ela prefere
ver o simbolismo que da condenação de Lindemberg. "Foi a resposta da
sociedade, do cidadão de bem, contra essa banalização da violência.
Temos de resguardar a vida humana. Espero ter passado essa mensagem."
Sobre o responsável pelo maior cárcere
privado já registrado no Brasil, a promotora não esconde seu repúdio
desde o primeiro contato que teve com ele, justamente no plenário, na
última segunda-feira. "Lindemberg se finge de coitadinho, mas não passa
de um manipulador."
O relacionamento tenso com a advogado Ana
Lúcia Assad, com quem discutiu algumas vezes, foi amenizado. Para ela,
fez parte do calor dos debates. Apenas criticou a estratégia escolhida
pela defesa. "Houve uma tentativa de responsabilizar a imprensa pelos
crimes. Mas não foi isso que aconteceu. A doutora fez uso de todas as
ferramentas a que tem direito."
Nenhum comentário:
Postar um comentário